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A gente, aqui em casa

  para Sara A gente aqui em casa não fala do diabo para não atraí-lo. Nem mais acreditamos no bem, isso porque a Esperança se transformou em fila de atendimento. Também não discutimos a existência de Deus, renunciamos a qualquer informação por causa da água estagnada que os mensageiros bebem e, em seguida, cospem em nossa cara. Debates sobre o provável, o primeiro telefone acústico inventado na idade mais selvagem, a existência da arte, a bondade de um beijo e a flecha no coração, a revolução da miséria humana e a democracia, a ditadura como gancho de emergência do trem da história, mas apenas falamos ao léu. Somos desarvorados, diferente dos desertos verdes das plantações comuns, e esquecemos os motivos, as razões quadradas e numerais de doutrinas, de teorias do entendimento. Nossas falas, narrativas a exibir nossa existência caem no fundo fácil das armadilhas, e assim, simulamos que deixamos a vida, encolhidos no fundo dos questionamentos para não ofender o óbvio, para que não venha
Postagens recentes

Arquitetura do passado no presente

     Há lugares com mais de seiscentos e vinte e três castelos, testemunha ideológica da história.  A permanência, fulgor de eternidade, posição geométrica de onde se crê a continuidade da paisagem, de uma extensão visível de um fim à distancia, de algo inalcançável. O bicho quer ficar, enfiar os pés no terreno, rasgar a terra e ter raízes. E também quer pular o muro do infinito, saltar o horizonte e se apossar de qualquer torrão onde for caminhar o seu olhar. Amarrado aos sete lados, dimensionado ao mesurado  arquitetônico de seu cubo.      Estético, se diz inovador, estático, a expressão de um amontoado à bricola do formalismo. Dar a si o mundo, cercá-lo até tudo o mais ficar amarrado, cheio de si. Paredes de terra quente, vidros gelatinosos, duros, mas fleumáticos, comem a paisagem num anti-reflexo, e gira mundo, e o visto engolido que é sempre outro.  Terrenais estruturas no desmazelo ordenado da cultura. E dura nada essa eternidade tardia, vêm cansada, carrega consigo todos os des

A casa de Zeira, Moró e Mara

     Depois da festa pegaram a garupa, vieram pela estrada lenta, desceram os cafundós com a permissão, era o documento da terra, um carimbo e uma garrancheira de um tal. O que era longe? O que podia ser? Chegaram lá. O córrego limpo e o rio barrento. Havia uns bichos soltos que apareciam se lá que horas fazendo fuzarca no terreiro. Desceu a lenha, fez o fogão para rogar à divina bondade que não inventasse gente torpe que lhes tirasse o sagrado.      Cuidar da prenha para não perder o leite. E aquietar os cães na polenta e as carcaças. Depois de descer o bambu fazer correr a água mais perto. Nivelar a parte e começar a cavar para ajustar as pedras. Amarrar bem no barro branco com palha de milho e cinza da fogueira, é o que mais segura o estuque.       Ajeitou o telheiro num canto para morar durante a construção.      Ela havia riscado os cômodos. Baixavam o barranco para levar terra pesada, argila fina.      Arrumaram o campo, plantaram milho, o capim gordura mais lançante, onde foi o

Meus pensamentos não me pertencem

  S e alguém pensava que o que pensava pertencia ao seu pensamento, uma propriedade única. Hoje, talvez não tenha perdido o que foi pensado, quem sabe, descobert​​o que o pensamento parte do lugar onde se encontra. Você pode pensar assim também. Mas todo pensamento não suporta a intervenção absoluta do mundo, todas as mínimas coisas e a imensidão que se transforma.  Somos pessoas que compartilham. Muito do que pensamos está em nossa estrutura orgânica, presente em nossa percepção, desde nossa herança biopsicológica, constituída pela experiência cultural social, filogenética. Vemos algo e damos uma medida, antecipamos nossos passos seguindo o caminho solar, nos integramos com o gesto de outro, um sorriso, um bocejo que atua sobre nós e interfere diretamente em nosso comportamento. Mas o que nos faz alguém em processo, o que nos leva a conhecer e compartilhar é a vida social, somos seres gregários, vivemos em redes de relacionamento sempre abertos. Cada um de nós no conjunto global, a to

Dialética poética

       Vem antes da escrita poética a dialética, as sombras intensas tomadas como arranjo,  E toda metafísica da poesia, de seu além físico se materializa através de uma concreção subjetiva que assume o pensar com as emoções. Dela consente que o afetivo se efetiva como valor memorial e se extrapola ao ser comunicada.       A imagem insólita ganha qualidades ao se interpor, ao se identificar com o poético. Nada dura das passagens eleitas, os lugares aonde andam nossos pés.  A calçada ao largo do relógio parado, na esquina das maledicências, no elevador que tudo deposita em caixas no aglomerado retilíneo das geometrias reguladas.      Muitas delas copiadas ao rés do chão das formalidades aceitas, e isso de reproduzir se torna um império que quer inovar, o lugar comum em que o novo se enovela tentando destituir a sua carne.      Mas ali está e se vê prontamente que não saímos longe do pós-guerra, ao menos daquela última e segunda.     Não se quer bem nem à poesia e nem ao poeta, atrapalha

Projeção do óbvio

     O óbvio, disse Nelson Rodrigues e, talvez também Suzana Flag, (a bandeira ou as pétalas do verdadeiro lírio), alma superior, diz ele, que o óbvio é alguém sentado no meio-fio de uma rua chorando e usando a gravata como lenço.               Essa individualidade lastimosa que nos diz que esta alma, este ser bem ajustado ao sistema, bom executivo, ainda, por alguma humanidade desconhecida se limpa no adorno, na forma, na gravata suas dores impermeáveis por nossa visão.     O mínimo que nos conta o máximo, ele, fora da casinha, da inserção grupal.   Não vemos que o sujeito está revestido da técnica, e não entendemos porque aquele corpo revestido do uniforme, da formalidade, chora. Dizemos, não cabe, ele nos põe em uma sinuca, está fora de questão, e isso, por fim se faz doloroso. Ele chora, fora do grupo , do que é compartimentado,  ele, um elemento.      Ficamos assombrados com isso. Decidimos por uma inteligência ambulatória que cuida dos feridos, que se trata apenas de uma piada, a